15/03/11

Analogia entre Forças Armadas e Taekwondo*

* Trabalho realizado no âmbito do módulo de História e Fundamentos do Taekwondo, do VI Curso de Treinadores Grau 2.


INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como finalidade demonstrar a coerência, na sua dinâmica de conduta, nos seus princípios e regras, nas relações entre atletas e entre atletas e mestres, na relação directa entre graduações e postos, da vida militar com a educação e treino de Taekwondo.

Para que se possa entender a origem militar que é atribuída ao Taekwondo moderno (pós-invasão da Coreia) e onde se pode encontrar esta presença militar no dia-a-dia da nossa modalidade, teremos que partir do pressuposto que até há bem pouco tempo vigorava em relação às graduações de Dans. Assim, e sabendo que a Kukkiwon determinou que o título de Mestre seria atribuído apenas ao indivíduo com a graduação mínima de 5º Dan, para que seja mais fácil a compreensão da relação militar/Taekwondo, farei neste trabalho a correspondência da relação entre Dans que vigorava anteriormente (atribuição do título de Mestre a partir do 4º Dan). Note-se que esta era a relação em vigor até há bem pouco tempo e todos os 4ºs Dans graduados antes desta decisão continuam a ser reconhecidos como tal.

ORIGENS DO TAEKWONDO

Para que se compreenda o porquê de relacionarmos o Taekwondo com os princípios da instituição militar é necessário analisar um pouco da história coreana para conhecer a ligação entre estas duas instituições.

Aproximadamente em 668 d.C. dá-se a unificação de três reinos sob o comando da Rainha Chin Heung. Estes reinos são Shilla, Koguryo e Paekche. Para garantir a protecção da Rainha foi criado um pequeno exército de combatentes com grande conhecimento em técnicas de defesa com mãos e armas como lanças, espadas e grande controlo do corpo, chamados Hwarangs.

Estes homens recebem o nome de Hwarangs pois o seu treino tinha lugar no templo Budista Hwarang, onde aprendiam também literatura, ética e filosofia. Hoje em dia conhecemos esta vertente marcial como Hwarang-do, que constitui a base de todas as artes marciais coreanas.

Com a ascensão ao poder da Dinastia “Yi”, a mudança no sistema político-cultural, e as influências do povo europeu na península, estas técnicas marciais começaram a ser banidas pelo próprio Reino Coreano. Esta situação é ainda mais influenciada pelo aparecimento da pólvora na vizinha China.

Com os “Hwarangs” banidos para os seus templos, estas técnicas não deixaram de ser treinadas e estudadas.

Entre 1560 e 1610 a Coreia sofre duas grandes invasões por parte do Japão, que tinha como objectivo invadir a China. Para que isto fosse possível, a Coreia pela sua localização e perfil geográfico assumia-se como um objectivo estratégico fundamental para o sucesso da invasão do território chinês.

Assim, o Japão pede autorização ao Reino Coreano para poder atravessar o seu território e invadir a China, o qual foi negado pelo recente acordo de paz selado com a China. Contudo, o Japão decide invadir a Coreia em 1592 mas sem sucesso. O Reino Coreano consegue resistir à invasão, graças ao apoio da China.

Em 1597 dá-se a segunda invasão da Coreia que, enfraquecida pela primeira tentativa, acaba por ser ocupada pelo Japão. Durante este período o Rei coreano, Sonjo, pede o auxílio aos militares chineses entre os quais perfilavam mestres Shaolins. Dois desses mestres, Generais dos seus exércitos, Niu Shu Zheng e Hei Hu Li sabiam que entre o exército coreano havia quem ainda praticasse o Tang Soo – defesa com pés e mãos. Com o auxílio dos mestres chineses, alguns mestres coreanos desenvolveram o Kwonbop Subak – técnicas de agarramentos e projecções.

Ao ocupar a Coreia, o Japão é bem-sucedido proibiu o treino das artes marciais coreanas, detendo em cativeiro alguns dos mestres coreanos. Em 1790, constatando a vulnerabilidade da Coreia, o Rei Chongjo da Dinastia “Li”, ordena o retorno dos Hwarangs e solicita aos Mestres Lee Dok Um e Park Jae Ga para registarem todos os seus conhecimentos. Assim, foram escritos quatro livros que falavam sobre as técnicas de lança longa e curta, técnicas de Kum ou Gum, espadas de um só corte e de dois cortes, da montaria com uso da espada e também das técnicas de Kwonbop Subak.

É assim que a prática das artes marciais retorna à Coreia, pelas mãos de dois generais, no seio do exército, surgindo o Subak-Do (tipo de judo coreano), o Tang Su (bloqueios e ataques com as mãos e com os pés) e Taekyun (pontapés altos e baixos – base do Taekwondo). Todas estas artes marciais apresentam por base os ensinamentos dos mestres dos templos Hwarang e a disciplina e treino militar naturalmente presente no seio de qualquer instituição militar.

Mais tarde foi iniciado, pelo General Choi-Hong-Hi, um processo de unificação das técnicas ensinadas por vários mestres, sob a designação de Tae-Soo-Do. Assim, em 1955 surge o Taekwondo como o conhecemos actualmente.

Ao longo dos tempos, o exército evoluiu, mudou alguns dos seus suportes organizativos mas os seus princípios e objectivos mantêm-se transversais ao longo dos tempos. O Taekwondo também evoluiu, mas da mesma forma manteve a sua disciplina e os seus princípios.

Desde já é possível compreender que o Taekwondo e o Exército (neste caso, o Coreano) se encontram ligados por laços indissociáveis e que desta forma a organização do Taekwondo sofre uma influência muito forte, herdando princípios, costumes e procedimentos que todos nós praticamos e ensinamos aos nossos alunos, sem nos apercebermos que são princípios fundamentais na instituição militar.

IMPLANTAÇÃO DO TAEKWONDO EM PORTUGAL

A forma como o Taekwondo chega a Portugal também está ligado à vida militar.

No ano de 1974 a ITF, na pessoa do General Choi, foi contactada através do Sporting Clube de Portugal para que fosse enviado para Portugal um Mestre de Taekwondo com a função de divulgar a modalidade no nosso país. Como o ensino e prática das artes marciais em Portugal estavam subordinados à CDAM (Comissão Directiva das Artes Marciais), esta comissão tinha como presidente o General Manuel Simão de Portugal e como conselheiro técnico o Comandante Fiadeiro.

CULTURA MILITAR

Quando se fala em “militar”, “soldado” ou “tropa” associamos a estas palavras uma disciplina árdua, uma deferência para com os superiores, uma grande coragem e sentido do dever e um treino rigoroso. No conceito do senso comum, “ser tropa” está conotado com duas posturas bem definidas: o sentido e a continência.

No seio da vida militar o sentido não é mais do que uma posição de atenção, em que o militar fica atento e pronto para o que lhe irá ser transmitido. No entanto a posição de sentido (pernas juntas e braços esticados de mãos abertas a tocar nas coxas, sem mexer e a olhar em frente) é também usada na deferência para com os superiores. Um inferior hierárquico, na presença do seu superior deverá prontamente executar a posição de sentido e mantê-la até que o seu superior lhe diga que pode descansar. Assim, o descansar será feito de pernas afastadas à largura dos ombros e mãos cruzadas atrás das costas, mantendo uma postura direita.

A continência é um cumprimento militar. O inferior hierárquico ao aproximar-se, ou passar por um superior deverá executar a continência (elevar a mão direita correctamente esticada e no prolongamento do antebraço e tocar com o dedo médio na têmpora com a palma da mão virada para baixo). O inferior hierárquico executa primeiro a continência e só desfaz a mesma após o seu superior ter desfeito a sua.

Estas posturas são executadas em diversas situações, nomeadamente:

1. Quando um superior hierárquico entra numa divisão.
2. Na Formatura.
3. Quando o inferior hierárquico entra numa divisão onde esteja um superior.
4. Quando se está em presença da Bandeira Nacional.
5. Quando se toca o hino nacional.
6. Quando se homenageia os soldados falecidos em batalha.

Mas mais há na vida militar para analisar. A forma como se organizam as forças militares em parada: formam em fileiras, com mais homens em largura do que em profundidade. O comandante de cada uma destas formaturas (seja pelotão, batalhão, ou corpo do exército) forma do seu lado direito.

Os postos dos Oficiais (e note-se que o Taekwondo moderno surge pela mão de um Oficial General Coreano) são divididos nas seguintes classes:

a. Oficiais Capitães e Subalternos:
  1. Alferes
  2. Tenente
  3. Capitão

b. Oficiais Superiores:
  4. Major
  5. Tenente-Coronel
  6. Coronel

c. Oficiais Generais:
  7. Major General (Brigadeiro General é um posto que não se costuma empregar a não ser em situações excepcionais)
  8. Tenente General
  9. General
  10. Marechal (geralmente atribuído a título póstumo)

O comandante tem de conhecer os seus homens, tem de ser seu amigo e tem de louvar e punir de acordo com as situações, sempre de uma forma íntegra e justa, não tomando partidos nem beneficiando uns em prejuízo de outros. O comandante tem de dar o exemplo e saber melhor que o seu subordinado qual a sua função e o que este precisa para a desempenhar.

O comandante tem de zelar pela apresentação pessoal e cumprimento das ordens por parte dos seus subordinados, mas também tem de zelar pelo seu bem-estar e pelo seu moral. O comandante é um instrutor e um amigo e educa os seus militares para que estes sintam do mesmo todo o apoio e confiança que neles deposita.

Muito mais há a dizer sobre a cultura militar e como esta “encaixa” perfeitamente no interior de um Dojang.

Mas neste trabalho, que apenas tem a intenção de alertar para esta ligação profunda entre estes dois mundos, julgo que os aspectos indicados acima serão suficientes para cumprir este propósito.

CULTURA DO DOJANG

No Dojang o sentido não é mais do que uma posição de atenção, ao qual chamamos Chariot. O Chariot, além da sua parecença na execução transmite exactamente o mesmo conceito que o próprio sentido militar. O aluno/atleta fica atento e pronto para o que lhe irá ser transmitido. O Chariot Sogui (pernas juntas e braços esticados de mãos abertas ou fechadas a tocar nas coxas, sem mexer e a olhar em frente) é em tudo idêntico ao sentido militar. O aluno/atleta na presença do seu Instrutor/Mestre executa a posição de Chariot e mantém-na até que o seu superior lhe diga que pode descansar. Assim, o descansar será feito de pernas afastadas à largura dos ombros e mãos cruzadas atrás das costas, mantendo uma postura direita.

A continência é um cumprimento militar. Esta, nos países orientais é entendida como a saudação em que o aluno/atleta ao aproximar-se, ou passar por um Instrutor/Mestre deverá executar – Kyongue (baixar o tronco e a cabeça de forma a curvar-se em frente um pouco mais que o seu superior). O aluno/atleta executa primeiro a saudação e só desfaz a mesma após o seu superior ter desfeito a sua.

Estas posturas são executadas em diversas situações:

1. Quando um Instrutor/Mestre entra numa divisão/sala/dojang.
2. No início da aula/treino quando todos estão alinhados.
3. Quando o aluno/atleta entra numa divisão onde esteja um instrutor/mestre ou um aluno mais graduado (sambé).
4. Quando se está em presença da Bandeira Nacional (neste caso, a saudação será feita apenas elevando a mão direita e pousando-a sob o peito no local do coração).
5. Noutras situações em que o aluno/atleta sinta a necessidade de se dirigir ou cumprimentar o Instrutor/Mestre.

A forma como alinhamos, da direita para a esquerda com maior número de atletas em largura do que em profundidade é muito semelhante às formaturas militares em parada O Instrutor/Mestre coloca-se do lado direito dos alunos/atletas alinhados para se proceder ao juramento do aluno de Taekwondo (Kwionwan San So). Após o juramento, toma o seu lugar na frente dos alunos para receber a saudação.

As graduações e classes dos Cinturões Negros correspondem directamente aos postos dos Oficiais (e note-se que o Taekwondo moderno surge pela mão de um Oficial General Coreano) e são divididos nas seguintes classes:

a. Instrutores (Classe de Oficiais Capitães e Subalternos):
  1. 1º Dan (Alferes)
  2. 2º Dan (Tenente)
  3. 3º Dan (Capitão)

b. Mestres (Oficiais Superiores):
  4. 4º Dan (Major)
  5. 5º Dan (Tenente – Coronel)
  6. 6º Dan (Coronel)

c. Grão-Mestres (Oficiais Generais):
  7. 7º Dan (Major General – Brigadeiro General é um posto que não se costuma empregar a não ser em situações excepcionais).
  8. 8º Dan (Tenente General)
  9. 9º Dan (General)
  10. 10º Dan (Marechal – geralmente atribuído a título póstumo)

Mas há mais na cultura militar que se notabiliza no Taekwondo. O Instrutor/Mestre tem de conhecer os seus alunos/atletas, tem de ser seu amigo e tem de recompensar e repreender de acordo com as situações, sempre de uma forma íntegra e justa, não tomando partidos nem beneficiando uns em prejuízo de outros. O Instrutor/Mestre tem de dar o exemplo e saber melhor que o seu aluno/atleta quais as suas virtudes e defeitos, apetências e dificuldades e o que este precisa para as desenvolver.

O Instrutor/Mestre tem de zelar pela apresentação pessoal e cumprimento das ordens que transmite dentro do Dojang por parte dos seus alunos/atletas mas também tem de zelar pelo seu bem-estar e pelo seu moral. O instrutor/mestre é um amigo e educa os seus alunos/atletas de acordo com os princípios do Taekwondo para que estes sintam todo o apoio e confiança que neles deposita e para que compreendam a filosofia da arte marcial em si.

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que as regras e disciplina que introduzimos no nosso dia-a-dia nos nossos alunos/atletas têm uma grande história que as sustenta e as promove. De tal modo que deturpamos a verdade do Taekwondo se as esquecermos ou as ignorarmos.

Por mais desportivo que se torne o Taekwondo, as regras aprendidas e desenvolvidas em harmonia no nosso Dojang terão sempre de estar presentes, pois estas seguem os ditames da honra e da virtude, da integridade e honestidade e tudo isto se resume em duas palavras quando aplicadas na vertente desportiva da nossa modalidade: Fair-Play.

Se estas regras e esta disciplina forem mantidas e passadas às gerações pelas quais somos responsáveis de formar no Taekwondo, teremos atletas justos, íntegros e honrados, transmitindo a quem os vê evoluir nos ringues nacionais e internacionais não só as capacidades técnicas que somos capazes de desenvolver, mas também as virtudes morais e educacionais que a prática do Taekwondo promove.



“Conhecimento dá poder, mas só o carácter granjeia respeito.”
Bruce Lee

 “Quem for fundamentalmente um mestre, apenas toma a sério tudo o que se relaciona com os seus discípulos, - incluindo a si próprio.”
Nietzsche

“Um bom amigo, que nos aponta os erros e as imperfeições e reprova o mal, deve ser respeitado como se nos tivesse revelado o segredo de um oculto tesouro.”
Buda

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